quinta-feira, 10 de abril de 2014

ATROPELAMENTOS E JANELAS DE ÔNIBUS (caso comum de trânsito)

     Pela janela de um ônibus é a verdadeira televisão, com sangue que escorre e ocupa o lugar que teoricamente seria ocupado por água, o sangue escorrendo ao meio-dia mistura-se ao capim e à água suja de óleo numa composição química que nem Mendeilev, o russo que se parecia com Bakunin jamais viu essa composição. A mulher ao meu lado que tinha modos muitos masculinos aproveita a oportunidade e se debruça por cima de mim para tirar uma casquinha, já que o motorista diminui a marcha do ônibus e passa como um cortejo fúnebre e parecido com um vagão com judeus na época da Alemanha Nazista em que seria impossível ao passante distinguir até a sua mãe, a mulher não deixa de escapar um: "...menos um...", para puxar conversa. Meu pobre pensamento empírico passa a pensar por que não também "mais um?..." e o paradoxo é facilmente resolvido, pois dá na mesma e ela desce duas paradas depois do assassinato a bala sem que eu saiba sequer o nome dela. Ainda me lembro no tempo em que uma amiga estava tão depressiva que queria se suicidar, e veio me pedir auxílio, mas não me explicou se era para que eu a ajudasse a sair dessa ou se era para dar cabo do assunto, logo eu um cara maltrato na época pelo acordar cedo e dormir tarde, passava umas fomes em que minha barriga virava um insólito instrumento musical de expressão, ao pegar um ônibus ás 6 da manhã vi a figura de um grande homem gordo tombado no asfalto, a imagem repetia a que eu vi um dia que um jumento foi atropelado no meu bairro e que para completar a juventude pegou aquele enorme cadáver e colocou sentando em uma parada de ônibus com um boné da Sapupara (a cachaça) azul na cabeça do jegue, que por sinal tinha um olho estourado da pancada que ele levou, voltando ao homem gordo, a boca daquele senhor tinha um bocado de sangue grosso, abundante, como o do que eu vi uma vez na Varjota, estava sentado, como sempre do lado da janela quando eu vi que um epiléptico tentava guardar uma nota de hum Real no bolso, provavelmente recebido de esmola, ele começou a dar seu ataque como se fossem uma série de sucessivos choques em sua mente, até que sua baba passou a vir primeiramente tingida de uma cor ferruginosa para se transformar em cravada vigorosa na língua e vir sair uma cascata rubra de sangue grosso e espumante, diferente da vítima do atropelamento que o sangue era como sangue de carneiro que depois das machadadas dadas com a parte não cortante do machado o suspendem e sangram com uma faca de ponta, colocasse em latas de goiabadas e dão aos cães que bebem com avidez, sangue escuro. e foi essa história que contei para a pretensa suicida e dei a ideia, que por coincidência o ônibus noturno seguia pela BR-116, eu em plena 10 e meia da noite tinha tomado umas cachaças para me sentir melhor pois tinha uma sensação de cansaço e suor seco sobre a pele que o álcool ameniza deixando-me suportável a mim mesmo, passou por um atropelamento mais cruel do qual eu assistira na semana anterior eu olhei a mulher estava morta e suas pernas estavam quebradas de um modo estranho como o símbolo da banda D.R.I. (dirty rotten and imbecils) como se tivessem fotografado ela correndo, no outro dia eu vi a mesma vítima no Barra Pesada rodeada como sempre por policiais que deram maiores informações sobre ela, eu até a chamei (a suicida) para olhar mais ela não veio, preferiu ficar do lado oposto à janela televisiva, pois eu realmente estava certo morte por atropelamento é certeira, quantas mortes violentas o asfalto suporta antes que se empape de sangue?
Só resta pegar um violão com cordas de aço e tocar um Belchior em blues:

Faz tempo que ninguém canta uma canção falando fácil... claro-fácil, claramente... das coisas que acontecem todo dia, em nosso tempo e lugar. Você fica perdendo o sono, pretendendo ser o dono das palavras, ser a voz do que é novo; e a vida, sempre nova, acontecendo de surpresa, caindo como pedra o povo.
À tarde, quando eu volto do trabalho, mestre Joaquim pergunta assim pra mim:
- Como vão as coisas ? Como vão as coisas ? Como vão as coisas, menino ?
E eu respondo assim:
- Minha namorada voltou para o norte, ficou quase louca e arranjou um emprego muito bom. Meu melhor amigo foi atropelado, voltando para casa... Caso comum de trânsito, caso comum de trânsito, caso comum de trânsito.
Pela geografia, aprendi que há, no mundo, um lugar, onde um jovem como eu pode amar e ser feliz. Procurei passagem: avião, navio... Não havia linha praquele país.
- E aquele poeta, moreno e latino, que, em versos de sangue, a vida e o amor escreveu... Onde é que ele anda?
- Ninguém sabe dele...
- Fez uma viagem ?
- Não, desapareceu.
Deita ao meu lado. Dá-me o teu beijo. Toda a noite o meu corpo será teu. Eles vêm buscar-me na manhã aberta: a prova mais certa que não amanheceu. Não amanheceu, menina. Não amanheceu, ainda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário